Bem galera, 2017 parece ser um ano estranho e envergonhado, nada de grandes promessas, no máximo, várias polêmicas que envolvem desde o presidente dos Estados Unidos até o prefeito de São Paulo. Nesse contexto de uma vida sonolenta e ao mesmo tempo estranha, resolvi engatar alguns hábitos antigos e aqui estou eu traveis....pedalei, observei a cidade e....pasmem, resolvi escrever.
Mas qual a pauta? Eram 13h de um domingos ensolarado, quase infernal quando subi na bike e pensei no caminho em direção ao centro. E aí? O que olhar? Para tentar sair um pouco do meu umbigo, pensei em calçadas, esses abrigos pedestres do trânsito motorizado que nos atropela. O lance era simples, ver que tipo de ecossistema floresce nesses domínios.
Na altura do Brás, as calçadas sonolentas, domingueiras e cansadas do movimento frenético dos dias úteis, eram palco de cenas típicas de um vagar pelo passeio público: passei por um pai que empurrava o filho na bike, um skatista e alguns cabeças brancas comodamente instalados em cadeiras na frente da fachada do prédio em que provavelmente moravam. O último grupo parecia fazer reviver na cidade suas origens ítalo-operárias, época em que as pessoas se esparramavam na porta de casa para observar o movimento da rua. É, não havia face, whats app ou games....mas essa é outra história ou talvez uma não-história...
Mais umas pedaladas e esse cenário se alterou. Subi o viaduto que salta o Tamanduateí e circula o palácio das Indústrias. Já no começo da subida do viaduto, olhei para o lado e observei uma espécie de pântano pós-moderno: uma grande poça de água, esverdeada impedia qualquer transeunte de passar por ali. A calçada agora parecia uma moldura mal feita para o asfalto esburacado. Calçada-deserto? Talvez, deserto da existência, mas não ausente de sinais de vida. No final do viaduto, grudados à calçada, era possível ver barracos de um homem só, como casulos silenciosos construídos dos dejetos da cidade. Nenhum sinal de morador, o que me fez pensar que estariam do lado de dentro, esperando alguma metamorfose urbana que os despertasse.
Subi o calçadão da Ladeira Porto Geral com suas barracas e barracos (uma mulher brigava com o companheiro). Passei pelo amplo calçadão da Praça do Patriarca que livra o passante claustrofóbico das ruas espremidas do centro, segui pelo viaduto do chá em direção ao Minhocão. O elevado é um caso à parte. Não tem calçada. Segui em frente.
Chegando na Pompéia, as calçadas ficaram vazias, somente transeuntes cruzavam de forma apressada como se não tivessem nada pra fazer nesse aparente purgatório urbano. Não que não houvesse pessoas, havia e aos montes: desciam nos pontos de ônibus e atravessavam a rua para ir ao estádio do Palmeiras. As calçadas estavam tingidas de verde, sem que isso significasse um passeio público arborizado.
Nesse ponto, as pernas desacostumadas pelas férias de pedalar davam sinal de vida. Melhor, davam sinal de que era hora de voltar. O registro da volta foi étnico. No Brás, corpos enegrecidos, filhos da mãe África, imigrantes da própria sorte, estendiam suas quinquilharias a espera de compradores; virando na rua Bresser, os rostos amorenavam-se e o olho puxado e cabelo liso, me lembrava que agora as calçadas eram bolivianas.
Como última surpresa dessas calçadas imprevisíveis, perto de casa, topei com uma família fazendo seu churrasco no curto espaço entre o meio fio e a fachada de uma casa. Divertiam-se.
Talvez devesse mencionar os buracos, os desníveis ou o lixo que faz a fama das calçadas paulistanas, mas daí que espaço haveria para aqueles que habitam esse ecossistema urbano? Pensar nessa má fama das calçadas não me deixaria olhar para os anônimos que circulam na vida da cidade.
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