Outono em São Paulo, o sol costuma sair, mas o ar frio não deixa dúvidas de que uma nova estação chegou pra ficar.
Pois é galera, nessa circunstância, comecei a considerar seriamente a necessidade de sair de bike enquanto o sol ainda esquenta alguma coisa. O plano era terminar todos os meus afazeres domésticos e, à tarde, dar um rolê na magrela. Mas é domingo, né? Fala sério!...Consegui acordar pra lá das 11 da manhã. Diante dessa questão temporal, resolvi fazer uma das tarefas – terminar um trabalho no Centro Cultural-, usando a bike como meio de locomoção.
Pus, numa mochila, o meu note, uma blusa e uma calça de agasalho e resolvi testar como seria andar de bike com tamanho peso nas costas.
Faltava a pauta. Enquanto almoçava, entre garfadas e olhares furtivos para as páginas de uma revista de variedades que estava sobre a mesa, me veio uma ideia interessante. Um jornalista anunciava o encontro real de pessoas que procuravam namoro num determinado site. Eles iriam se encontrar no Ibirapuera para, em carne e osso, tentarem acertar as coisas com o amor...
Taí, saí do restaurante, com a pauta na cabeça, uma mochila nas costas e dois pedais nos pés. Iria até o parque do Ibirapuera e na volta pararia no Centro Cultural. De quebra, poderia observar os sinais desse estranho amor na cidade de São Paulo
Horário de saída: 15h
Temperatura: 20º (ar frio)
Percurso: Belém- Ibirapuera- Centro Cultural – Belém.
Pauta: Esse estranho amor...
Problemas: peso nas costas.
Noiva solitária
Antes de dar as primeiras pedaladas, pensei no meu velho itinerário. Dessa vez, não passaria pelo elevado Costa e Silva. O caminho para o parque da “burguesia” paulista, o Ibirapuera, não me permitiria revisitar aquele outro espaço brega que tanto me atrai: o minhocão. Não ia passar pelas manifestações claras do amor. No gueto gay da Vieira de Carvalho, há beijos e abraços à luz do dia, como se a relação proibida entre pessoas do mesmo sexo, ali naquele espaço, fosse violentamente afirmada com a urgência de amantes desesperados.
Sobrava os sinais do amor cotidiano, daqueles que não tinham tal urgência. Até o centro da cidade, não vi nem traço de nadica de nada . As pessoas que andavam pelas ruas, pareciam alheias à necessidade de um(a) companheiro(a). Havia grupos de amigos, grupos de familiares, crianças. Até mesmo os mendigos, que diante do frio, poderiam ter se unido para se aproveitar do calor mútuo, espalhavam-se nas calçadas da rua São Bento, solitários, envoltos em cobertores, como homens casulos.
No ponto em que a Rua São Bento se abre em praça, -praça do Patriarca-, se vê um grande espaço parcialmente, aliás muito parcialmente, sombreado por uma marquise branca que lembrava a imagem o trecho de uma música “um prato pequeno para toda fome que há no mundo”. No domingo, com a praça vazia, o espaço parece maior, difícil não notar qualquer concentração humana, principalmente a que observava agora. Pessoas em círculo davam atenção a uma figura de branco. Me aproximei. Era uma noiva! Usava véu, grinalda e carregava um buquê de flores plásticas. O branco estava meio encardido e ela parecia fazer uma performance. O grupo era de turistas. Um guia, ao centro, com uma camiseta da prefeitura, indicava como a cena deveria ser lida. Mas e a noiva? Quando cheguei, ela terminava de dizer algo. Os turistas riam, e ela? Bem, ela se retirou em debandada rua Direita afora. Queria entender o que fazia uma noiva solitária bem no dia em que procurava sinais do amor. Acho que ela também... Dei uma grande volta na praça e a segui pela rua Direita. Depois de ultrapassá-la, entrei numa travessa, virei a esquerda e tomei a Rua Direita no sentido inverso. Enfim, iria encarar a noiva. Mas onde...? Olhei pra rua nem sinal da moça. Passou pela minha cabeça que ela poderia ter ido para a Sé fazer novo show.
Na Sé, praça que, às vezes, lembra o que deveria ser uma ágora grega sem traços de nobreza, me aproximei de três aglomerações. Em uma delas, um senhor vendia ervas; nas outras duas, falavam em nome de Deus. Escutei a palavra “amor”. Em volta da palavra, homens circunspectos veneravam o temor. Nenhuma boa nova sobre a noiva. Como uma lenda, a aparição da noiva solitária se desvanecia na cidade oca de amor.
Mãos dadas
O trecho Sé-Ibirapuera custou umas boas pedaladas. Sinais parcos de amantes apareceram perto da feira da Liberdade. Alguns casais andavam no mesmo passo, ritmo garantido pelas mãos que os amarravam levemente. Já era alguma coisa.
Jardim de Delícias
Finalmente, chegava ao Ibirapuera. Era saudado por uma estátua de Pedro Álvares Cabral que apontava para o infinito como dizendo “vinde vós”. Vou ser sincero, desconfio desse cara.
Já no portão, os sinais do amor estavam nas mãos atadas de alguns casais. Queria mais. Olhei para o lago. Em torno, vi casais que se beijavam. A cena era interessante. Diziam que Adão e Eva tinham sido expulsos do paraíso por terem se enlaçado eroticamente. O parque decretava o contrário da expulsão. Justamente, onde a natureza imitava o jardim de delícias, os casais eram admitidos. Ali, ao lado do lago, embaixo de árvores, se sentiam à vontade para dar sinais da paixão.
SOS amor
Bandinha, uma aglomeração, ninguém abraçado. Chegava quase sem querer à manifestação destacada pelo jornalista. “SOS amor”, “Movimento dos sem namorados”, “cansei de ser sozinha”, “procuro um amor” eram alguns dos dizeres dos cartazes. Parecia um bloco de carnaval. Alguns animadinhos se aproveitavam do clima de “tudo vale a pena” e tiravam onda pra cima das meninas que passavam.
- E ae, ta solteira? Eu também...
Ao invés de abraços ou beijos, sorrisos amarelos ou divertidos.
Aliás, no bloco “cansei de ser só”, era “só”, o que se via. Havia mais gente fotografando e entrevistando do que casais se formando.
Frio
Quase 17 horas. A temperatura baixava rapidamente. O peso da mochila se fazia sentir. O amor como sempre me cobrava alguns sacrifícios. Mas, enfim, saía desse bike-rolê com a certeza de que os sinais do amor sempre estarão entre a lenda e a palhaçada. Que o diga a noiva solitária ou quem cansou de ser só.
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