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Foto do escritorFernando Andrade

Onde está a greve? (abril de 2017)

Olá, galera, não é que depois de muitos anos, ontem ia ocorrer uma greve geral? Movimento histórico, momento inglório. Pois é, acordei as 10 horas do dia 28, liguei a televisão, me conectei, fucei nos sites mais promissores e nada. Comecei a pensar que tinham sequestrado a greve ou que estava enlouquecendo, pois as notícias sobre o que estava acontecendo eram parcas, ruins ou quase inexistentes. Esperei mais umas 2 horas e nada: “Pneus queimados”, “manifestantes violentos”, “metro parado”, etc...Mas e a greve? Cansado de escarafunchar nessa monturo de informação desinformada, peguei a minha bike para dar um rolê geral na greve negada.

As 13h saí de casa. São Paulo podia até não ter parado, mas patinava. Perto de casa, o movimento vital das tuas esquinas, querida cidade, tentavam esconder o andor lento que crucifixava outros caminhos. Pessoas na rua, algum comércio fechado e carros animados davam o “andante” do ritmo local: os moradores provincianos celebravam a sensação de se estar num bairro alheio ao mundo, vasto mundo. Situação diferente da que observei no Brás. Vazias estavam as ruas, as calçadas, enfim, os estabelecimentos; muitos fechados. A situação não era muito diferente nas ruas em que comércio viceja em dias normais: Rua 25 de março, Ladeira Porto Geral e General Carneiro. Na rua XV de Novembro, os bancos estavam fechados. No viaduto do chá, um grande caminhão com faixas conclamando à greve parecia aguardar o momento de esbravejar palavras de ordem; embaixo, no Anhangabaú, balões tentavam alavancar a greve. A cidade parecia se preparar para uma apoteose.

Mas um enredo não é enredo sem o conflito. Silenciosamente, sem conclamar nada, nem esbravejar, cavalariços da polícia militar se posicionavam ao lado do Teatro Municipal como se estivessem a passeio. Eles também se preparavam. O aviso mais enfático veio na Pça da República: “Choque”, nome escrito num veículo de guerra, provavelmente blindado, acompanhava policiais mais guarnecidos do que aqueles que enfrentam traficantes na Rocinha. Tirei foto, morrendo de medo de ser interpelado pelo meu ato; já que parecia estar em outras praças de uma república um tanto quanto estranha. Saí de lá e fui em direção à Higienópolis. O bairro estava sorridente, parecia desconhecer o que é greve ou o que é grave em matéria social. Não sei porquê também não vi grandes demonstrações bélicas. Civilização.

Fui em direção à Consolação. O cemitério estava aberto e os carros enfrentavam trânsito. Premonição? Algumas quadras antes das av. Paulista, boa parte das lojas de lustres negavam qualquer luz nesse dia talvez sombrio, talvez festivo, mas acima de tudo anormal, numa cidade que sempre foi o avesso do avesso.

A avenida Paulista me aguardava com dois outros Choques, veículos militares circundados por milicianos já vistos e revistos na República - um novíssimo cartão postal. Essa cidade não para de me surpreender! Uma cena me chamou a atenção: o blindado estava estacionado bem ao lado de um mendigo que dormia envolvido num cobertor ensebado. Não se sabia quem era indiferente a quem: se os poderes da República é que não reconheciam o pedinte; ou se era o suplicante que sabiamente percebia a inutilidade de solicitar qualquer coisa que fosse aos donos do poder. Cena absurda, Kafka não faria melhor.

Na pedalada pelo primeiro quarteirão da Paulista, encontrei uma pequena manifestação de adolescentes e de seus professores que carregavam um cartaz onde se lia: hoje a aula é na rua. Parei num semáforo. Os sons da cidade se mesclavam, sirenes de viaturas, palavras de ordem em uníssono e comentários provocativos. Um menino de aproximadamente 12 anos dizia para seu pai como tinha sido bom protestar; um motorista que atravessava o cruzamento, alvejou contra o grupo dos adolescentes o palavra-pedra “vagabundo”.

Cheguei ao vão do Masp. Outro caminhão de som estava posicionado para a manifestação que ocorreria mais tarde. Um sindicalista discursava e as pessoas que estavam ali (não eram muitas àquela hora) pareciam se solidarizar por estar em meio a uma greve que, segundo diziam, não existia. A certeza as animava. Duas freiras com cartazes a favor dos direitos constitucionais posavam para fotos, como se as pessoas quisessem a certeza de alguma benção nesse reino por demais humano.

No meu bikepasseio não encontrei uma greve, mas várias, todas as que essa cidade é capaz de produzir. Para não deixar qualquer dúvida, na volta, passando pela Pça da Sé, ainda encontrei um pequeno grupo. Jovens vestidos de preto, alguns encapuzados, carregavam um faixa de luto na qual se lia: “Reforma não! Revolução sim”. Os manifestantes eram teatrais e bastante incisivos. Me lembravam que a palavra “Revolução” não estava morta, incomodavam aproximando morte e vida de uma maneira inesperada.

É, decididamente, os jornais, alguns políticos e até o presidente tinham toda a razão em dizer que a cidade não tinha parado.

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