Influenciado pela série Lúcifer, resolvi sair de bike pela cidade para perceber os sinais do mal. Um pouco dramático, mas vá lá. Também era dia da Parada Gay, poderia pensar em um passeio tipo “tudo junto e misturado”, andar de bike, registrar flashs do cotidiano e seguir a pauta dos sinais do mal. Muita coisa. Melhor não. Até o Próprio Atentado evitaria esse tipo de polêmica no Brasil de hoje.
E, além disso, eu queria algo mais rés-do-chão. O mal nosso de cada dia no esburacado do asfalto. Pedalei.
Engraçados esses símbolos ligados ao malévolo. Diante de mim, no canto da rua, uma língua infernal aparentando um tapete se estendia, ciclovia. Sedução? Não, já que a primeira topada com a pedra no meio da caminho vermelho não deixava dúvidas de que a senda do mal é ambígua.
Na altura do Lgo da Concórdia, alguém disseminava o louvor de Deus com voz estridente, ruídos dissonantes e efeitos de eco. Cheguei a cogitar que aquela agressão auditiva seria a voz do Tinhoso.
Passei por um resto de conversa. Um mendigo dizia ao passante que ele era morador de rua, ao que deveria se seguir o pedido de um cigarro. Acordo de encruzilhada.
O insuspeito Bem que revelava ser o seu contrário parecia contaminar as pequenas coisas.
Meu destino era os contrafortes da Cantareira, ou dito de forma mais vulgar, ir até o Tucuruvi. Me passou pela cabeça o despropósito de procurar o mal subindo até os céus da cidade.
Para chegar lá, fui primeiro em direção ao Parque da Juventude. Ao pedalar ao lado dos pilares de sustentação dos trilhos do metrô, observei que na frente e atrás de cada um, havia paralelepípedos como estacas para impedir que alguém se encostasse ali. Lembravam aqueles cacos de vidro que os proprietários colocavam em cima de muros para espantar o mal. Hoje, colocam cercas eletrificadas, tecno-bem ou tecno-mal? Dúvida. Quem seriam os representantes do Sete-Peles: os Sem-tetos ou quem colocou as pedras propositalmente para machucar viva alma que ali quisesse se deitar?
Logo avistei o Parque. O que me fez deixar a enrascada anterior de lado. Esse é o parque que floresce no que já foi o Carandiru. Sempre que pedalo por lá, penso naquelas crianças correndo e pulando sobre fantasmas do presídio.
Contornei a Biblioteca e, claro, me lembrei do filme Asas do Desejo, em que anjos habitam o lugar do conhecimento. Imediatamente, minha consciência respondeu que anjo deveria ser o oposto do maldito Cão e, portanto, matéria para outra pedalada.
Segui pela Doutor Zuquim. Subida dos diabos, nas quais as pernas pedem arrego. Mas esse não é o mal maior. Pior são os carros e ônibus zunindo na orelha como a voz do Tentador. No meio da ascensão, um fusca rosa passou por mim. Talvez fosse um sinal, nesse caso, de mal gosto.
Fui pela Nova Canteira até o Hospital Presidente. Tinha nascido ali .Não era uma lembrança, mas um marco. Primeiro pacto? Lá do alto, avistei uma Igreja perdida no meio do bairro. Desci até a rua que rodeava o edifício. Dei duas voltas em torno da Paróquia Nossa Senhora Mãe dos Homens. Achei que era o fim da linha.
Depois disso, voltei..
Não havia qualquer revelação nisso. Na verdade já estava escurecendo. Mas o nome da Igreja era significativo, misturava divino e humano numa expressão apenas. Com uma pedalada resolvia-se o ambíguo que nos constitui. Resolver o retorno exigiu mais. Várias pedaladas e uma boa dor nas pernas para o dia seguinte. Tinha me distanciado bastante de casa e logo me lembrei de que a dor é um mal que não deixa dúvidas.
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