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Foto do escritorFernando Andrade

Paradas (junho de 2009)

Pois é galera, postei antes do previsto até por mim mesmo. Saí de bike, jurando que não iria escrever nada, afinal, hoje a cidade estava movimentada pela Parada Gay e não estava a fim de observar um evento que parecia óbvio demais. Lógico que iria ter muitas coisas estranhas a serem relatadas...ou não, como diria Caetano Veloso, e por isso mesmo não queria postar nada. Tenho evitado escrever nos momentos grandiosos da cidade. Procuro captar justamente o cotidiano, as coisas comuns. Se bem que...segundo um grande fã a apreciador do meu site (talvez o único), meu filho, eu só blogo coisa estranha, outro dia ele me disse: “Pai, parece que você inventa algumas coisas...”(rs). Imagina, então se resolver escrever quando a cidade não nega seu lado “b”, antes o escancarada mundo afora!

Pois é, como era muito óbvio e também como a Parada não poderia ser acompanhada por alguém em movimento superior a 5 km por hora, decidi usar a bike como meio de locomoção para ir de bike até o Centro Cultural e nada mais. Seria uma entre tantas viagens cotidianas sem qualquer interesse para esse blog.

Mas...bicho curioso que sou, não resisti. Acabei fazendo um trajeto que cruzava a Parada . Segui os sinais do bando de 3 milhões de pessoas que se juntaram para festejar, segundo as autoridades, a “diversidade”; segundo os participantes, a liberdade do sexo, aqui, agora ou depois. Fazer isso, sem deixar de ser um bikeobservador, ou seja, sem estar em movimento constante, era o desafio. Devo reconhecer que não consegui. A Parada, como o próprio nome já diz, não deixava me movimentar à vontade. Em vários pontos, fui obrigado a descer da bike para não atropelar pessoas que nem sempre andavam em movimento retilínio uniforme, ou em qualquer outra rota previsível. Por isso, a postagem de hoje, vai ser escrita ao ritmo de paradas e movimentos que foi mais ou menos a forma pela qual viajei na e pela cidade.

Saída: 15:50, a Gayparade deveria estar quase chegando ao fim....

Tempo: frio, realmente frio, mas o céu estava claro, ensolarado de tal maneira que seria possível contemplar todas as cores do arco-íris.

Andante com anima. Saí de casa e advinha qual caminho que a bike tomou quase automaticamente? Minhocão. Puta, isso já ficando chato, daqui a pouco vão me chamar de “o homem do minhocão”...bem, acho que não vou ficar cheateado...rs. No caminho, encontrei outro biker e começamos a travar caladamente uma competição, acho que ganhei....umas dores na perna, depois de ter pedalado com bastante velocidade. Por conta disso, rapidinho cheguei ao centro. Sinais da Parada: no viaduto do Chá, alguns moçoilos de camisetas regatas e músculos a mostra pediam para que alguém tirasse fotos deles.

Pit Stop. Já no Minhocão, fiz minha primeira parada para tomar água de coco. O vendedor, nordestino, conversava com amigos. Um deles disse:

-Vontade de mijar....

-Vai ali mesmo, porque no Metro não dá...

-Não dá mesmo, ta cheio de viado. Quando vim, passei pela estação, tinha dois caras se beijando...

-Vixi....

Moderato. Partindo do ponto do vendedor de cocos, logo avistei uma das saídas do Minhocão que cruza a Consolação. Avistei o rio de gente. Acima da massa fluvial, dois caminhões de som comportavam descamisados que se exibiam. Impossível cruzar aquela multidão. Segui direto indo pela passagem subterrânea sob a praça Roosvelt e saí na rua Augusta. De lá me dirigi para onde a concentração de Trios Elétricos e de pessoas se dispersava, entre Ipiranga e Consolação. Ali era possível continuar pedalando, devagar dada a incidência de passantes distraídos, mas ainda pedalava.

Stop Park. Um trecho da rua da Consolação havia se transformado em estacionamento de Trios Elétricos. Parecia um cemitério de Elefantes. Ali, jaziam sem animação. Desmontados, como provavelmente estariam as Drag Queens que antes pulavam ao som eletrônico, os carros traziam mensagens e nomes dos patrocinadores. Em um deles, vi algo como “em favor da liberdade de opção sexual” e embaixo “Conselho de Psicologia”. Alguém já disse que São Paulo é a cidade da grana, deixaram de falar que é a cidade das idéias também. O enigma da cidade é saber se aqui se consegue separar uma coisa de outra.

Allegro. Já tinha visto o fim da festa, queria agora observar onde tudo começara. Resolvi ir à Paulista, cortando pelo Bairro do Bixiga. Ao entrar no bairro, os sinais da Parada desapareceram, mas não a animação. Passei por um bar em que havia uma roda de samba; por outro, em que um carro estacionado vomitava uma letra em que dominavam as cachorras. Ao som do funk, provavelmente, os pegadores requebravam com a mesma habilidade dos bofes dos carros alegóricos.

Quando cheguei a Paulista, a parada já havia se movimentado o bastante para abandonar os edifícios que habitam o início da avenida. Encontrava foliões desajeitados que denunciavam a proximidade de um evento maior.

Alto lá, sentido! Já no meio da Paulista encaro minha primeira parada obrigatória. Uma coluna de soldados da PM se perfilavam como se preparassem para impor a ordem na avenida-cidadã. Atrás, se posicionavam os garis. Precisei me desviar para a calçada fugindo dessa tropa de assepsia.

Alegretto. Depois de ter passado pela barreira que mais parecia uma alfândega militarizada, à velocidade de um transeunte, comecei a observar o que restava da festa. Branca de Neve dava entrevista a um repórter midiático. Um vendedor de cerveja, ou vinho de baixa qualidade, sem mercadoria pra vender, distribuía cantadas baratas a quem passasse, sem se preocupar com a clara identificação sexual. Me desviei de alguns bêbados e comecei a ziguezaguear por uma trilha urbana cheia de elementos sólidos depositados em tal quantidade que parecia fazer um off-road em pleno centro financeiro. Chegava ao lugar onde a concentração era mais densa.

Imóvel: assim estava o homem. Sentado à indiana, sobre um pano. Rodeado de látex de camisinha, latas de cerveja amassadas, garrafas pet vazias, no chão, o mendigo contava moedas. A multidão que se dispersava cuidadosamente evitava passar por aquele ponto em que a diversidade de materiais e gente parecia não reconhecer essa outra diversidade social. Alheio, vendo somente pernas, sem horizonte definido, o homem mantinha um semblante dolorido de folião às avessas.

Marcha. Já tinha ido longe demais, para quem estava de bike. Nesse ponto, ou descia da bike e caminhava como um passante comum, ou voltava. Quando ainda decidida o destino da expedição, alguém me deu um pacote de camisinhas. Entendia a premonição: a Parada não pode parar. Era a deixa pra voltar. No retorno, os soldados, já se movimentavam garantindo a limpeza da cidade.

Gran finale. Passada a barreira, peguei velocidade e voltei ao ritmo normal. Engraçada a diversidade daquela Parada. Ao final, experimentando o vagar da manifestação, já não conseguia diferenciar muito o ritmo dos celebrantes da diversidade e o dos policiais. Talvez a diferença fosse, realmente, de performance. Retornei diversamente ao meu ritmo solo - que naquele momento estava mais para uma improvisação atonal do jazz do que para uma marchinha carnavalesca ou militar -, afinal, dançar é preciso, não necessariamente conforme a música.

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