Eita...feriadão de páscoa, sol dourando o domingo e a consciência exigindo queimar os quilos de chocolate ingeridos por esses dias. Olhei pra magrela, ela parecia olhar pra mim e assim de forma silenciosa combinamos uma volta “da hora”. Pauta: páscoa. Ao montar em cima da minha companheira de buracos ( e olha que eles parecem ter se reproduzido como coelhos: coelhinho da páscoa o que trazes pra mim...), ao subir em cima da danada, comecei a pensar na tal renovação, mote repetido trocentas vezes cada vez que alguém vai falar no assunto.
Sacando minha filosofia de boteco, pirei na batatinha da palavra – renovação - enquanto as pernas davam duro sem pestanejar (até porque nem têm pestanas), benditos membros inferiores que trabalham sem pensar!
Mas vamos logo à palavra e ao passeio. Parece meio óbvio que a tal da renovação supõe um antecedente velho que, por algum motivo, se modifica, se altera e se cobre da tão sonhada modernidade. No Cristianismo, o termo estaria associado à renascimento, a refazer a vida e a dar mais uma oportunidade para a esperança. Desconversei comigo mesmo desse otimismo de bolso, estava mais para materialista do que para cristão, apesar do feriado de páscoa.
Então, resolvi começar com o velho que não era nem meu pai, nem eu mesmo. Começar por aquilo que a cidade tem de materialmente velho. Adivinhem?! Passei na Vila Maria Zélia, uma vila operária com construções do começo do século XX. A rua que dá acesso à vilinha parcialmente fechada permite ver algumas construções altas, antigas e em decomposição e, obviamente, a Igreja. A construção sagrada é bonita e modesta, dentro do parâmetro de modéstia desse tipo de arquitetura. Está encardida e arrogantemente desafia o tempo, lembrando de algo que nem ela sabe o que é. Dei umas voltas pelas ruas que ficavam atrás da igreja, vi casas reformadas que não negavam o DNA do operariado que habitou em tempo imemoriais aquelas bandas. Os terrenos eram pequenos e as casas grudadas uma às outras. Dilema: era o velho tingido de novo ou o novo tingido de velho?
A pergunta fiou lá na minha cachola, ainda mais quando encontrei pelas ruas do Brás um senhor de 60 anos puxando um carrinho de sorvete. “Ué, essa cena era da minha infância e ainda estava nas calçadas do século XXI? De relance, comecei imaginar vários senhores de 60 anos trabalhando nas calçadas de um futuro de grandes novidades que a política atual desenha. Comecei a ficar em dúvida em relação aos meus conceitos do que é novo e do que é moderno. O Brasil do passado, o da inseguridade social antes de Getúlio, será o país do futuro?
Aí as pernas do pensamento voaram mais rápido do que as do pedal, só voltei a olhar para o entorno lá pela estação da Luz, ao subir na calçada para pegar uma passarela e passar para o outro lado da avenida Tiradentes. Outro velho estava parado ao lado de uma lona jogada no chão, em cima da qual havia uma porrada de cacarecos para serem vendidos: carregadores de celular, conexões usbs e pasmem, tiras de sandália havaiana.
A situação estava ficando surreal. Para o meu alívio, fui em direção aos museus. Ali, pelo menos, o velho era velho e ponto final. Para isso servem os museus, para nos tirar dessa agonia das ruas em que já não se sabe mais o que é renovação. A Pinacoteca dava um ar de beleza ao passado, enquanto o Memorial da Resistência parecia guardar o mal da ditadura nos seus porões, dando uma certa garantia de que aquela época não escaparia do subsolo. Que bom!
Mas o pedal é implacável e logo me deparei com o terrível novo que tornou-se um problema velho de São Paulo.
A despeito da propaganda de cidade linda, ao virar na Avenida Duque de Caxias, olhei para uma travessa e vi no fim da rua a cracolândia, firme, forte e maior do que tinha visto há uns dois anos atrás. Como renovar essa realidade? A páscoa começava se tornar um problema.
Não resolvi esse enigma. No Minhocão, de repente, encontrei várias bicicletas da mesma marca com cestos floridos. Era um intervenção. Os bikers estavam distribuindo flores e tentavam tingir o cinza do asfalto com a colorida metáfora do renascimento. O problema, argumentaram as pernas do meu pensamento, é que as flores sabem o que são: o novo que grita a exuberância da existência. Peguei uma flor, pus no meu guidão e tingi meu domingo com aquela parca renovação. Tinha encontrado algo da páscoa ali no cruzamento entre materialidade da natureza e o símbolo cristão. Não era muito, no máximo, o paradoxo de uma pequena flor no grande asfalto.
Comments