Esse post é dedicado a quem, por coragem ou por falta de oportunidade, passou o Carnaval ao lado da cidade.
Pois é, quanta animação no título....Mas, na real, galera, tire boa parte dos "enes" e dos "es" do título e tire o ponto de exclamação também. Vamos ficar só com "É Carnaval". Não foi proposital blogar no carnaval, mas o mês de fevereiro estava acabando e eu não havia postado nada. Prometi uma mensagem por mês. Sei que promessa de começo de ano, a gente acaba quebrando, mas pra mim era uma questão de honra. Se não blogasse agora, esse pobre projeto de um grupo ciclista, (que ainda se reduz a um homem só, eu),iria naufragar. E não falo em naufragar à toa, porque foram tantas as pancadas de chuva nesse mês de fevereiro que quase não pude sair de bike. Hoje, esperei que São Pedro desse uma trégua pra São Paulo. Lá pelas 6 da tarde, o chão estava seco e a cidade poderia, finalmente ser desbravada. Peguei minha bike, enchi os pneus, vazios de tanto ficarem parados, e comecei um trajeto velho conhecido meu.
Eu, o Pierrô; São Paulo, a Colombina
Terça de Carnaval. Sendo minha equipe eu e eu mesmo, resolvi montar a pauta já pedalando, numa interlocução com meus próprios neurônios. Estava meio melancólico e adotei como tema "a festa na cidade" pra ver se me animava. A pauta seria: Cadê o Carnaval? Partiria do bairro do Belém, seguiria pelo centro velho de São Paulo, passaria pelo minhocão e de lá para onde minha intuição mandasse. Calculei umas duas horas para essa incursão na cidade carnavalesca.
Bloco de um homem só
Logo que cruzei algumas ruas, percebi uma animação típica: pedaços de músicas. Comecei, então a pedalar em direção aos sons, que nas ruas vazias do Brás ecoavam como a me chamarem para o que restava da festa. Em direção a Celso Garcia, vi um carro com portas abertas cuspindo forrós e sambas para poucos ouvintes. Virei a primeira a esquerda. De um bar com a porta quase fechada, saíam fregueses sem reclamar. Eram africanos, conversavam na língua deles. Enquanto deixava essa cena pra trás, fiquei me perguntando: como eles deveriam se sentir nesse Carnaval tão chocho de São Paulo? Afinal, vinham da mãe Africa, terra de tambores e alegrias... Se fosse um repórter de verdade, teria parado pra perguntar. Mas, com a timidez tomando conta de mim, fiquei com as perguntas na cabeça e com os pés nos pedais.
As próximas ruas repetiram uma mesma cena. Carros abertos de cujo interior o som saltava alto, diria muito alto, diante de um número pequeno de ouvintes. Comecei a acreditar que esse era um traço de São Paulo. A existência de uma espécie de trio elétrico particular para exibição particular; o dono da parafernália eletrônica se tornava artista e espectador ao mesmo tempo. Talvez aqui fosse a cidade dos trios elétricos de um carro só, com música play-back e cds genéricos. Em quatro ruas , contei cinco carros-trios-sonoros-elétricos. O último que vi era uma cabine dupla. Seu dono, um homem de chapéu saía do bar, encerrando sua bebedeira ali. Não havia mais ninguém com ele, nem uns míseros ouvintes para sua cabina dupla a não ser desavisados ciclistas como eu que emprestavam suas orelhas temporariamente para "o maior show da terra".
Lendas urbanas
Segui em direção ao centro velho. As ruas ficaram mais desertas. Procurava agora sinais de foliões. Pensei em perguntar para as pessoas se elas tinham visto algum bloco carnavalesco nesses dias, mas a maldita timidez não deixava. Quando dei por mim, estava na Praça da Sé. Rodei ali de bike, observando os mendigos, os pregadores evangélicos e os garis...Opa: garis!? Estavam parados conversando. Esses trabalhadores da limpeza urbana não me intimidavam, até porque pareciam velhos contadores de história perdidos no lixo da cidade. Me aproximei e perguntei a eles se tinham visto algum bloco de Carnaval. Titubeando um pouco, um olhou pro ouro e disse:
-Teve sim, saiu daqui um bloco de mendigos...
-AH! bloco de mengidos sempre tem aqui, é só olhar em volta, dá pra ver um bloco e tanto, retruquei..
- Não! Era bloco de verdade, arranjaram uns batuques, pegaram um carrinho desses de carregar papel fizeram até uns enfeites, parecia aqueles carros de carnaval.
Pirei nesse samba enredo de crioulo doido. Fiquei imaginando o que deveria ter sido esse bloco quase surreal. Mas ao invés de ficar na história sem se me importar se era verdadeira ou falsa, tive a péssima idéia de perguntar : quando foi isso? Diante dessa necessidades de marcar tempo e espaço de forma precisa, os dois garis pararam de contar o causo e tentaram se lembrar. "Foi na sexta", "ah não", "então foi no sábado"...Essa discussão temporal finalizou a conversa.
Mesmo que o bloco dos feios, sujos e mal lavados não tivesse existido, finalmente, tinha encontrado na memória dos garis algum indício de Carnaval. Faltavam marcas de fantasias.
Fantasias
Estava me despedindo dos garis, quando se aproximou um mendigo. Queria papo e fez questão de me dizer que era baiano. Levava na cabeça um adereço, um chifre, e uma grande questão: o chifre deveria ser de corno ou de viado? Deixei a discussão e o grupo pra trás, com um novo insight: observar agora marcas da festa nas roupas ou adereços dos brincalhões. Quando era criança, lembro que, ao visitar uma cidade do interior, percebi que era Carnaval porque as pessoas usavam fantasias. Fiquei deslumbrado com aqueles foliões fantasiados com resquícios de alegria. Queria ver se conseguia repetir o deslumbrando na minha cidade.
Se encontrei fantasias? Na Sé, um pregador falava de Barak Obama, Bin Laden e final dos tempos (fantasia por demais verbal); na Direita, sem-tetos trajavam roupas rasgadas e sujas (fantasia por demais real); na São Bento, pedreiros trabalhavam na reforma de uma loja (fantasia por demais braçal). Até meta do trajeto, o que me pareceu mais próximo de uma fantasia foi uma camiseta presa ao pescoço de um homem que fazia cooper, lembrava um desajeitado superman.
Blocos
Um pouco desanimado com tão parcos sinais de um carnaval digno da brasilidade a qual São Paulo faz jus, resolvi apelar para o bloco gls. Passei pela república e entrei na Vieira de Carvalho. Até ali, lugar costumeiramente animado, o Carnaval parecia estar em refluxo! A rua não estava cheia e os bares aconchegavam foliões em menor número do que nos finais de semana comuns. Recorri então a velha e boa rua Augusta. No início da rua, o bloco de prostitutas começava a se articular, poucas meninas, como porta-bandeiras solitárias, lentamente ocupavam os seus lugares. Na altura do Espaço Unibanco, como era de se esperar, encontrei o bloco dos intelectuais, cinéfilos e uspianos. Se respirava ali algo da esquerda festiva, mas sem o glamour de dantes.
Naquele ponto, fiz uma pergunta pra mim mesmo: deveria seguir até o enjôo? Se continuasse pela Augusta, entraria pelo bairro dos Jardins, túmulo do samba, da alegria ou de qualquer coisa que não cheirasse a dinheiro. No máximo, encontraria um folião típico da região: o self made man. Quem se faz sozinho, precisa de bloco? Pra quê? Parei de conjecturar e segui o caminho da rua. Constatei o óbvio, na parte nobre, até onde a senhora Aususta cruza com a Estados Unidos, a pobreza de blocos constratava com a riqueza das casas comerciais fechadas.
Fiz o caminho de volta passando pela Frei Caneca. Rapidamente deixei pra trás o bloco dos descolados que esperavam pela abertura da Loca, uma casa noturna underground. Minha expedição logo chegaria ao fim.
Finalmente, a luz no fim do túnel
Seria melhor dizer: enfim, a fumaça no fim da ponte.
Devo registrar nos anais dessa crônica, que já antes de subir a Augusta, eu fui obrigado a reconhecer a verve carnavalesca de São Paulo, uma verve pequena sem dúvida, mas ainda assim resistente e num lugar tão improvável pela concretude quanto sugestivo pelo nome: no minhocão. Construído em 1970, esse é o nome popular do Elevado Costa e Silva, uma via expressa a 5 metros do chão que eleva os carros às janelas e aos narizes de quem mora nos prédios próximos. Orgulho de um ex-prefito de São Paulo ( Paulo Maluf (argh!), é a desgraça dos moradores que são obrigados a engolir o barulho e a poluição dos veículos que passam por ali. À noite, aos finais de semana e nos feriados, o minhocão é interditado e vira uma espécie de praça comprida, cinzenta e feia, mas utilizável pelos habitantes da região.
Pois é, ali, quase nos fim dos 3,4 kilometros daquele concreto emergente, observei um aglomerado de pessoas e uma fumaça de mato queimado que anunciava a festa da carne. É verdade que o número de foliões era pequeno e não cobria nem uma pequena parte do asfalto, mas isso já era uma grande coisa para aquela triste realiade. O bloco chamava-se "Agora Vai", era uma aposta de que de alguma forma e em algum momento a fantasia de um carnaval paulistano daria certo. Os foliões cantavam: "Ai, iá, iá, Ai, io, io. Abre a janela que o Agora Vai chegou..."
O resto não dava pra entender. Nem precisava. O Bloco subvertia durante algum tempo aquele espaço automotivo e inóspito. Em cima do minhocão, símbolo de uma construção que matou uma avenida em nome dos carros, o bloco pedia aos moradores, vítimas de uma modernização inumana, que saíssem e fizessem de conta que ainda havia espaço para as pessoas. São Paulo não precisava de mais nada. Essa fantasia era a maior que um carnaval poderia proporcionar a seus foliões....
Alegoria
Voltei por volta das 21h. Tinha que transpor uma ponte um tanto quanto sinistra que liga o parque D. Pedro ao Brás. Nesse ponto, geralmente, pedalo com toda minha força, sem parar e sem olhar para trás. Apesar disso, percebi que uma mulher me acenava por detrás do concreto de proteção para pedestres. Voltei. Ela tinha sido assaltada. "Um cara com uma faca enorme pegou minha bolsa". Tentei consolá-la. Alerta, esperei que um grupo de pessoas se aproximasse para que, em comboio, todos pudessem terminar o resto da travessia. Não havia por ali qualquer carro de polícia.
Ao final do meu trajeto, a cidade não me deixava esquecer que aqui não se alegoriza a exploração, mesmo que seja carnaval.
Agora vai
Quando estava no minhocão, uma foliã de última hora comentou o fato de o bloco só ir até o meio do elevado, dizendo: "É assim mesmo...Bloco de artistas, eles não têm perna pra andar, subir e voltar. Vão um pouco e já voltam. Não são como os blocos do Recife...
Fiquei pensando nisso. Nessa cidade construída pelo dinheiro e pela necessidade de sobreviver, resta muito de homens solitários, de exploração e pouco de fantasia. De vez em quando, uma trupe de artistas tenta doar à cidade um pouco de magia, mas sem muita perna, mas também haja perna pra São Paulo! Mesmo penando de bike, a cidade é um desafio. Será que agora vai?
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